A casa de Cora
Nesta semana, graças a paciência de dois amigos queridos, tive mais uma aula de como se colocam portas, se levantam paredes, se constroem pontes e como doces viram lembranças. Não estou fazendo nenhum outro curso, além daquele de me permitir viver. Essa pequena aula eu tive em uma cidade conhecida por Goiás Velho, ao entrar por uma porta verde, em uma casa velha da ponte sobre um rio chamado Vermelho. É que fui visitar Cora Coralina. A casa onde ela nasceu, viveu, partiu, retornou e partiu novamente. Pessoa linda, como tantas outras,cujas palavras me encantam. "Recomeça. Faz de tua vida mesquinha um poema". Aninha (sim seu nome era Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas), ou melhor Cora, me deixou visitá-la e, por um momento, permitiu que sua casa real fosse um pouco minha. Como se colocam portas, se levantam paredes, se constroem pontes? Saindo do aconchego do que cremos ser verdadeiramente nossa casa e nos lançando pelo mundo para depois voltarmos para o que acreditamos ser nosso lar. Por isso, a importância de se aprender aos poucos o segredo da construção. Nosso lar pode ser em qualquer lugar. Nem sempre de onde saímos, mas com certeza, para onde retornamos. Quando respiramos um tempo que já passou, quando conhecemos de perto as opções de vida de pessoas tão iguais a nós no existir, nos sentimos inspirados. Adoro Cora Coralina, porque na sua essência humana, não teve medo de arriscar e começar, mesmo que tarde para alguns."Você acha que sou velha?" pergunta ela. Você era e é completamente jovem. "Tenho comigo todas as idades, estou vivendo o melhor tempo da minha vida....tempo em que tenho nada e que nada me falta...". Cora Coralina sabia que nenhum bem material substitui o bem que se pode fazer com palavras, aprendidas também em um dicionário sempre sujo de melado. Não provei o doce de laranja feito por ela, mas me permito saborear suas palavras toda vez que a vida fica um pouco sombreada. "Eu não digo nunca a palavra estou cansada. Nada de palavra negativa. Quanto mais você diz estar ficando esquecida, mais esquecida fica. Você vai se convencendo daquilo e convence os outros. Então, silêncio!". Não precisa ir a Goiás Velho para estar na casa de Cora Coralina. Basta abrir um livro dela ou ler um texto onde quer que ele esteja. Ali, ao alcance dos olhos e das mãos, está a casa de Cora e é ali que aprendemos, um pouco, a abrir portas, ter paredes erguidas e atravessar pontes. A construir tudo isso, ainda estamos aprendendo, pelo menos no meu caso.
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